Segurança Psicológica é um tema em alta no universo de gestão de pessoas. Este conceito foi popularizada pelo Projeto Aristóteles, aquele famoso projeto do Google que descobriu quais eram os fatores fundamentais para o alto desempenho de uma equipe, sendo que a descoberta mais conhecida e disseminada é que a qualidade da interação entre as pessoas da equipe era mais importante do que a qualidade individual e técnica delas. E qual era o principal fator determinante para uma alta qualidade da interação?
Segurança Psicológica. O termo em si foi criado pela psicóloga organizacional americana Amy Edmondson, em 1999, em seu estudo publicado na revista Administrative Science Quarterly. Segundo Amy, é “a crença de que o ambiente de trabalho é seguro para a tomada de riscos interpessoais”, ou seja, os membros de uma equipe se sentem à vontade para expressar suas ideias, fazer perguntas e admitir erros sem medo de represálias ou humilhações.
Em uma aula, também levantei com a turma o que não caracteriza a segurança psicológica e essas foram as respostas:
Microgerenciamento excessivo
Falta de diversidade no ambiente de trabalho
Desrespeito às características individuais
Inflexibilidade na negociação de prazos
Baixa tolerância a erros
Foco em encontrar culpados em vez de soluções
Analisar mais as pessoas que os processos
Clima de medo e insegurança
Ambiente excessivamente competitivo
Que a segurança psicológica é importante é difícil de discordar, não é mesmo? A questão é que, de lá pra cá, sua popularização também o simplificou a ponto de colocá-lo apenas na responsabilidade das pessoas, especialmente das lideranças. Quem estabelece um ambiente seguro é a liderança e a “cultura da empresa”. E então o termo entra em mais uma das nuvens abstratas que, por não serem bem desenvolvidas na estrutura das empresas, caem na dependência da boa-vontade e da interpretação de cada um, junto à cultura de feedback, ao vestir a camisa, à orientação por propósito e à saúde mental.
Essa aqui é a liderança tentando deixar a empresa mais segura, enquanto a estrutura não é construída para isso. (Animação de Ralph Ammer)
Então hoje não falaremos sobre como você pode tornar seu ambiente mais seguro psicologicamente, mas sim sobre como construir estruturas psicologicamente seguras. É como se, ao invés de você dizer às pessoas “ande devagar nesta escada, pois você pode escorregar”, você estivesse colocando adesivos antiderrapantes e um bom corrimão. Qual será que é a estratégia que causa menos acidentes?
Os primeiros passos em uma estrutura com mais segurança psicológica:
Garante-se o atendimento das necessidades básicas dos colaboradores, como um salário justo, plano de saúde, horários adequados e respeito às regras de segurança do trabalho;
A maioria das definições sobre como as coisas funcionam está escrita, atualizada e é de fácil acesso (e realmente é seguida) - processos, governança, regras de conduta, cultura, descrição de cargos e responsabilidades, plano de carreira e reconhecimento;
Há uma política de ritos definidos e frequentes de alinhamento de expectativas (como retrospectivas, contrato psicológico, reunião de 1:1) e esses ritos são facilitados de maneira a proporcionar uma maior igualdade de voz e vez, com espaços para falar abertamente sobre erros e aprendizados coletivos.
A empresa se mantém aberta e atenta para ouvir todos os stakeholders, coletando percepções sobre a sua estratégia, políticas, processos, cultura, entre outros fatores. A partir dessas perspectivas diversas, ela se atualiza e evolui constantemente. Em outras palavras, não é comum que algum documento, rito ou processo permaneça o mesmo por muitos anos;
O clima organizacional e o bem-estar das pessoas é medido ao menos trimestralmente e, principalmente, desta medição são retirados planos de ação que são realmente implementados em busca de melhorar os pontos levantados;
Existe uma ouvidoria organizada e profissional que lida com casos que fujam do comportamento adequado. As pessoas da empresa sabem da existência deste canal e tem acesso, ao menos uma vez ao ano, a informações que demonstram que ele esteja funcionando (sem expor nenhum dado sensível, claro);
Há um compromisso real com a pauta de Diversidade, Equidade e Inclusão, que vai além de palavras, logos coloridos, palestras e criação de grupos de afinidade que não tem domínio de decisão sobre as ações. A empresa investe em repensar suas estruturas para que sejam mais diversas e inclusivas - desde o processo seletivo até a cultura como um todo.
Essas ações são como novas bases para trazer maior equilíbrio na organização (Animação de Ralph Ammer)
Fortalecer isso, em comparação a empresas com baixa segurança psicológica, pode gerar os seguintes impactos:
- Redução do estresse em 74%
- Aumento do engajamento com a empresa em 76%
- Otimização da comunicação e colaboração em 57%
- Redução de turnover e absenteísmo em 27%
- Aumento da produtividade em 50%
No entanto, esses são apenas passos iniciais para mover o ponteiro em direção a uma maior segurança psicólogica. Dá pra ir além? Com certeza! A própria Amy menciona que questões mais estruturias como a hierarquia influencia a segurança psicólogica e que ambientes mais hirárquicos terão, consequentemente, uma menor segurança psicólogica. Sabemos que não é toda organização que irá conseguir ou querer adotar um modelo mais horizontal ou até mesmo a autogestão - que é muito do que inspira as estruturas que temos no CHAMA Coletivo. O importante é reconhecer onde a empresa está nesse jornada de evolução:
O pacote básico de estruturas já está funcionando bem e de forma consistente?
Qual a qualidade das relações dentro da minha organização?
Nós (re)pensamos as estruturas que moldam essas relações?
Onde já conseguimos nos desafiar mais e provocar uma nova forma de pensar e estruturar que permita dar um passo em direção a um ambiente mais seguro psicologicamente?
Construindo uma estrutura mais segura (Animação de Ralph Ammer)
Estes são alguns exemplos de como uma estrutura psicologicamente segura pode ser implementada e mantida no dia a dia de uma organização. Não se trata de iniciativas isoladas ou simbólicas, mas de um conjunto integrado de práticas que, quando bem executadas, criam um ambiente de confiança mútua e colaboração genuína. Cada uma dessas ações contribui para que as pessoas se sintam seguras psicologicamente e impulsionam as empresas no aumento da sua produtividade e impacto. É a soma desses esforços que transforma a segurança psicológica de um conceito em uma realidade palpável, visível em cada interação e em cada conquista da equipe.
E o principal: sem depender da boa-vontade e do senso comum.
Fontes: “Psychological Safety and Learning Behavior in Work Teams”,Amy Edmonson, 1999; Gartner Research, The Missing Element in Nearly Every Learning Strategy; Gallup, State of the American Workforce Report; Zak, Paul J., “The Neuroscience of Trust,” Harvard Business Review, January 2017
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